Entrevista Artbook Sora [05 de Dezembro de 2003] - Masami Kurumada




Esse depoimento de Masami Kurumada foi publicada no livro especial de ilustrações Saint Seiya Masami Kurumada Illustrations Sora, em 2004, lançado por ocasião do seu trigésimo aniversário como mangaká. A entrevista fornece informações interessantes sobre o início de sua carreira e os motivos que o inspiraram a criar Saint Seiya e outros trabalhos.


Masami Kurumada nasce em 6 de dezembro de 1953 em Tóquio. Na juventude é um rapaz perfeitamente normal, que brinca com seus amigos no parque ou à beira da estrada e que compra e lê o que é vendido em livrarias. Em particular, o que o jovem prefere são os mangás.

“As histórias que preferia quando jovem eram duas de Mitsuteru Yokoyama, Iga no Kagemaru e Tetsujin 28 Gô; eram obras que os meninos da época gostavam de ler mais do que qualquer outra. Mais tarde, quando eu cresci, pus os olhos pela primeira vez na revista Shônen Jump, que ainda não era semanal”.

Seu encontro com Shônen Jump, que em um mangá se poderia chamar destino, permitiu-lhe conhecer diversos mangakás, um dos quais lhe causou uma forte impressão: Hiroshi Motomiya.

“A obra de Hiroshi Motomiya teve um impacto impressionante sobre mim; o título era a cores, e ao virar a página havia um efeito de fogo. ’Isto é um mangá!’, disse a mim mesmo. Não era um mangá de trato infantil e também tinha uma história deveras dramática, que me impressionou muito. É muito provável que, se naquela época eu não tivesse lido Otoko Ippiki Gaki Daishô, conhecendo Mankichi Togawa e recebendo aquelas influências... eu não teria me tornado aquele tipo de mangaká”.

Otoko Ippiki Gaki Daishô foi publicado em 1968 na Shônen Jump, com grandes resultados para Hiroshi Motomiya. O protagonista, Mankichi Togawa, só com seu punho e extraordinária coragem, reúne e guia bandos de jovens delinquentes por todo o país, e o tema principal do mangá são exatamente esses tipos de bandos. Quando Kurumada iniciou a escola militar secundária, não poderia imaginar que aquele mangá iria mudar sua vida. Algum tempo depois, ao final de seu terceiro ano na escola secundária, o jovem Kurumada decidiu ir à busca de seu novo caminho.

“Minha escola secundária era paga regularmente, de modo que quase todos os alunos pensavam em continuar os seus estudos indo à universidade. Ao ver isto perdi o desejo de estudar, ainda que todos os meus colegas de escola tivessem se formado em ordem dispersa. Eles o fizeram em universidades como Waseda e Keiô. Em seguida abriram uma empresa, se casaram com estudantes da mesma ou de outra universidade, compraram uma casa por vários milhões de ienes e passaram suas vidas pagando empréstimos... Eu pensei: ‘A vida de uma pessoa é essa?’. E ao mesmo tempo me disse: ‘O que eu tenho de diferente das pessoas comuns?’. ‘Nada’, pensei, ‘exceto o fato de amar mangá’. Foi naquele momento, de repente, que decidi me tornar um mangaká, e até então eu nunca pensara seriamente sobre isso. Pensando agora, porém, foi muito notável que pudesse entrar naquele mundo e entender como era realizado aquele trabalho”.

A história da impetuosa luta pelo poder de Mankichi Togawa em Otoko Ippiki Gaki Daishô era a mesma que Kurumada, em sua juventude, queria construir para si mesmo... Em seguida, Masami Kurumada envia seu trabalho para a Shônen Jump, revista que publicava a obra de Motomiya.

”O primeiro trabalho que enviei foi uma breve história a cores feita durante as férias de verão do meu terceiro ano da escola secundária, cuja trama envolvia novamente as gangues juvenis e era certamente muito influenciada por Otoko Ippiki Gaki Daishô. O editor que viu meu trabalho me informou que o assistente que trabalhava em Samurai Giants não era suficiente e que poderia desempenhar eu esse papel, usando-o como uma espécie de treinamento para se tornar mangaká. Quando entrei no estúdio, fiquei surpreso ao ver as imagens preparatórias; pensava que todas as texturas do mangá tinham que ser desenhadas à mão. Quando olhei os esboços feitos à mão, eu pude ver que as texturas eram aplicadas sobre a mesa e pensei: ‘Bem, então eu posso fazer isso também!’. Naquele momento, sem ter as noções básicas de mangaká, percebi o trabalho que pretendia apresentar. Enquanto fazia meu trabalho de assistente, eu também tinha um emprego em meio período e, nas horas vagas, comecei a ilustrar uma história minha para em seguida enviá-la à Shônen Jump”.

“Depois de ter sido assistente por cerca de dois anos, finalmente publiquei o meu primeiro mangá, Sukeban Arashi. A ideia era a de tornar-me independente, mas eu certamente não poderia esperar decolar com aquela história; o meu caminho no mundo do mangá, na verdade, começou com Ring ni Kakero”. Kurumada fala sobre seu primeiro grande sucesso, Ring ni Kakero, desta forma: “Eu ainda estava definindo o meu estilo e quando o observo agora, do ponto de vista artístico do desenho, me sinto muito inseguro. Sem dúvida, entrar no mundo profissional e repentinamente começar a desenhar significa uma série de coisas, como um aumento da popularidade, das recomendações do editor e dos comentários dos leitores... Mas, por outro lado, quando uma pessoa está focada no projeto não lhe importa muito aquilo que está acontecendo ao redor. Eu dizia a mim mesmo: 'Se eu me sinto bem, isso é suficiente!’ ”.

“As primeiras dúvidas e problemas começaram a vir-me durante a primeira fase de Ring ni Kakero, como pude ver pelos comentários e perguntas dos leitores também. A primeira parte da série não alcançou grande popularidade, porém... A partir de quando nasceu em mim a ideia do Boomerang Hook, minhas dúvidas e minha hesitação se dissiparam. Além disso, eu tive uma grande resposta dos leitores e pensei que com apenas uma ideia tinha mudado tudo“.

O toque final dos protagonistas eram, na minha opinião e segundo o senhor Kurumada, sem dúvida as técnicas especiais. A ideia das técnicas especiais que no futuro influenciariam muitíssimo as obras do senhor Kurumada. Foi trabalhando em Ring ni Kakero que o senhor Kurumada percebeu quão importante é o significado do nome de um mangá.

“Naquele tempo, embora eu pensasse o contrário, todos me diziam que se não tivesse êxito súbito não seria capaz de tornar-me um mangaká. Certo, são muitas as pessoas que sabem desenhar, não? E melhores que eu, tantas como as estrelas do universo. No entanto, ninguém pode me tirar da cabeça que um mangá é ‘só nome’, e que este ‘nome’, na linguagem do mangá, é o próprio desenho. Cada mangaká tem seu estilo e antes de publicar alguma coisa, um pequeno tomo ou o que quer que seja, deve compreender como dividir cada cena, como distribui-las, como fazer transparecer as emoções, que onomatopéias utilizar, etc. E essas coisas, em conjunto, definem o seu nome. Com base nisso, se fala com o editor e se define o enredo, e quando ambos estamos convictos do resultado tem início a realização da obra”.

“Quando percebi que grande parte de um mangá está no ‘nome’, e isso aconteceu enquanto fazia Ring ni Kakero, eu também compreendi que o ‘nome’ é algo bem diferente da história. Deveria ser capaz de pensar em como convencer o leitor a virar a página rapidamente, porque uma boa ideia como o Boomerang Hook, sem um ‘nome’ adequado, não era suficiente. O ‘nome’, para mim, era o que garantia um impacto sobre o leitor, como havia acontecido comigo com Otoko Ippiki Gaki Daishô; era o que o fazia mudar de página”.

No estúdio de trabalho do senhor Kurumada, há um cômodo chamado Quarto do Nome, no qual o senhor Kurumada se retira para pensar no ‘nome’ de uma obra; sem ter terminado essa prática, não começa a trabalhar. Enquanto o senhor Kurumada permanece isolado nesse quarto, não permite entrar nenhum assistente ou editor e não recebe chamadas telefônicas. Poderíamos chamá-lo um santuário.

“Sem dúvida, o que me ocupa mais tempo é a busca do ‘nome’. Quando está quase no fim do tempo de entrega e as ideias não vêm, talvez havendo um só dia para concluir o trabalho, me tranco no meu quarto dedicado ao ‘nome’ e o crio. Depois, já tendo o ‘nome’, eu começo o trabalho e o termino em cerca de vinte horas. E essa prática não é absolutamente alterada, nem mesmo agora”.

Podemos, portanto, dizer que o ‘nome’ é a própria vida do mangá, e que o estilo criativo do senhor Kurumada é sua expressão direta.
Quando Masami Kurumada procura lembrar seu passado, antes de começar com Saint Seiya, fala de Otoko Zaka e então finalmente começa a narrar sobre Saint Seiya.

“Depois de Ring ni Kakero, todos os personagens de minhas obras possuem invariavelmente uma técnica especial; a única exceção é Otoko Zaka, que não por acaso ficou inacabada.” Em Otoko Zaka os personagens não têm técnica nem estilo, e, após a interrupção desse trabalho, Kurumada começou a trabalhar em Saint Seiya.

“Quando comecei a concebê-la, tive grandes dúvidas resultantes da inconclusão de Otoko Zaka. Isso porque no mundo do mangá a popularidade é tudo, e então pensei: ‘Se minha próxima obra não for bem sucedida, será o meu fim’, e ‘o próximo trabalho deve absolutamente ter êxito ‘, de modo que quando eu trabalhava em Saint Seiya tinha o firme propósito de obter certos resultados”.

Daquele momento difícil, Kurumada fala com toda a sinceridade: “Após o colapso se geram novas energias; por exemplo, foi necessário um colapso para fazer nascer Saint Seiya. Sem dúvida, se alguém vem de criar uma obra sem êxito, e a seguinte se converte em uma obra de sucesso, não pensa de novo nas dificuldades passadas; é esse, portanto, o esforço, comparável ao de todo protagonista de um mangá de ação. O mangá é o ‘nome’, e com essa base de raciocínio eu coloquei muita atenção na criação da história original de Saint Seiya”.

“Pus muito cuidado, em particular, no modo de desenhar as armaduras a cores, tentando garantir que elas transmitissem a essência que as caracteriza, embora no início muitas coisas desses desenhos não me convenceram.” O mangá ‘marca’ Kurumada, no sentido de grandes diferenças de concepção em relação às suas obras anteriores e de que a essência do mangá está realmente impressa no ‘nome’; o desenho das armaduras, de qualquer maneira, expõe o autor seriamente. “E como a alguém que nunca viu uma coisa, me surgiu uma questão natural: armadura? E, naturalmente, tive os meus problemas ao converter em desenhos algo que eu nunca tinha visto antes”.

“O azul é uma cor basilar, pois pode ter muitos significados. Como um pouco de preto, um pouco de amarelo e outras; com os reflexos da luz as proteções podem assumir diversas cores. Então, experimente uma combinação e a avalie... mas quando chegar ao ponto em que você não pode voltar atrás, como se concluirá o trabalho não importa! Com respeito à cor das armaduras, a verdade é que penso que elas se criaram pouco a pouco enquanto eu desenhava. Quando levanto a cabeça na segunda metade do trabalho, tenho que me convencer dos resultados. Outra coisa que me deu problemas na colorização foram as capas e contracapas, porque eram coisas que eu queria desenhar bem, para atrair os leitores e fazê-los querer ler meus trabalhos. Assim, quando eu trabalhava em Saint Seiya, de verdade pensava seriamente sobre a escolha das cores e me emocionava imaginar como viriam, ao final, as ilustrações em que estava trabalhando”.

Saint Seiya foi a primeira obra desse tipo; naquele período, a revista semanal Shônen Jump provavelmente não tinha intenção de publicar aquele trabalho. Kurumada pensava menos enquanto não desenhasse, o “nome” era o importante, e não os editores interessados na publicação de Saint Seiya. Sem dúvida, quando os leitores viram as ilustrações coloridas de Saint Seiya, estas lhes pareceram belas e luminosas, dando quase a impressão de ser um tesouro. Os jovens da época as conservavam em seus quartos, protegidas por uma película plástica e mantidas em exposição. Kurumada diz que gostaria que os jovens vissem as ilustrações escolhidas por ele especialmente para os fãs e publicadas em Sora, o livro especial de compilação.

“Não são muitas as ilustrações a cores presentes em Saint Seiya, o digo sinceramente, de modo que o número total de ilustrações coloridas que existem no mangá pode ser incluído em um único volume. Mas a razão para isso é que, na época em que se publicava Saint Seiya, a editora era bastante ocupada e por isso não tinhamos muito tempo para realizar um grande número de ilustrações coloridas. Penso que seria notável poder realizar, além da capa a cores, também um capítulo de 32 páginas, por exemplo. Na verdade, quando fossem solicitadas ilustrações coloridas, acho que isso seria um indicador importante para determinar a popularidade do mangá, porque se não há popularidade não há certos pedidos desse tipo. Mas não pense que o peso do trabalho o tornava indesejável; ao contrário, sentia-me muito feliz por isso e eu jamais desistiria por causa de coisas como essa”.

“Durante a realização de Saint Seiya, não parei um minuto de criar ilustrações e quando na recente publicação da Shônen Jump vi que havia mangakás que recusavam os esquemas a cores, justificando suas negações com o fato de que tais desenhos deveriam ser da compilação, eu me surpreendi muito. No meu tempo isso era impensável e, mesmo que fosse concedido, você se desqualificaria aos olhos das pessoas, como mangaká e talvez também como ser humano”.

“Pouco depois do início da publicação do mangá de Saint Seiya, foi decidida a sua conversão em anime, e seu sucesso superou todos os meus trabalhos, inclusive Ring ni Kakero, da mesma Shônen Jump. Com o elevado público alcançado pela série televisiva, nasceu uma marca não registrada novamente no mercado japonês, com a série de figuras de ação pela Bandai, chamada Saint Seiya Cloth Series. Depois foram as grandes vendas do jogo para o Famicom (Nes) e o lançamento de um total de quatro filmes. Uma das razões para tal sucesso repentino de Saint Seiya é, sem dúvida, a existência das armaduras”.

“Alguns dizem que as armaduras foram as verdadeiras invenções de Saint Seiya, mas há que recordar que existia ainda antes uma estreita relação entre os personagens e seus equipamentos. Por exemplo, em Sukeban Arashi o nunchaku usado pela protagonista, ou o Kaizer Knuckle de Ring ni Kakero. Mas até mesmo em alguns filmes famosos, como os de 007, com os acessórios usados por espiões, especialmente mulheres, capazes de retirar rapidamente uma arma escondida na saia, há cenas muito interessantes, na minha opinião, sexies e ‘de estilo’. Acho que isso me influenciou, porque quando menino me fez uma grande impressão e creio que o resultado dessa impressão podem ter sido as armaduras; antes disso, na realidade, aquele tipo de trajes eram sempre muito quadrados, como se pertencessem a robôs. No caso de Saint Seiya usei o estilo das armaduras ocidentais, mais curvosas, e também pensei em trajes que pudessem pousar sobre o corpo sem sobrecarregá-lo. Porém combinar cada armadura com o nome de uma constelação e dar à armadura a forma da constelação, pensava que poderia não ser uma coisa interessante, porque não teria relação com a história. Mas era importante”.

“Ainda que fosse complicado, sem desanimar continuei com a minha ideia das armaduras, resultando que a tinha sempre mais em consideração! Nem mesmo entre os brinquedos havia algo similar, e da ideia de uma espécie de vestido colocado sobre os personagens passei a outro tipo de forma e imagem; e foi a ideia de Saint Seiya a recompensar, na época, mais que todo o resto”.

Após a dissertação sobre as armaduras, Kurumada fala da visão que existe no mundo sobre a originalidade de Saint Seiya.

“Muitas pessoas antes tinham a ideia de que se uma história era sobre o beisebol era beisebol, se era sobre o boxe era boxe, se era sobre tênis era tênis, e assim eram as pessoas a decidir a que gênero pertencia um mangá. Mas o fato de que algo fosse baseado na mitologia grega criou algo completamente novo a nível mundial. Não obstante o panorama do mangá fosse ainda direcionado para jovens, no início a recepção do público não foi muito boa; a quem me perguntava: ‘A que gênero de mangá Saint Seiya pertence?’, não podia responder uma só palavra, porque era um mangá que não se podia classificar em nenhum gênero. Sem dúvida, creio que Saint Seiya naquele momento não tinha a mesma popularidade de outros mangás de ação cheios de suor, lágrimas, lama”.

“Existem muitos termos particulares no universo de Saint Seiya, e essas palavras foram todas criadas com um estudo muito sério: Saint ou Cloth são dois tipos de palavras inventadas, e isso significa que as criei eu! ‘Armadura’ ou cloth é, na linguagem comum, simplesmente uma couraça, mas eu não queria que fosse algo tão comum. Além disso, os kanji ao mesmo tempo me agradaram muito; eu pensei no fato de que os deuses gregos vestiam mantos brancos, e daí nasceu a ideia do manto ou do traje sagrado, que se podia escrever com dois kanji. A leitura desses dois kanji é KUROSU, porque manto em inglês se escreve CLOTH”.

“O Cosmo é, em suma, uma espécie de energia, uma forma de ‘elevar a própria energia’ ou de ‘sentir vontade de lutar’. A partir daí fiz a frase 'elevar o Cosmo' ou 'sentir o Cosmo’. Mais precisamente, em um documentário televisivo no qual se afirmava que ‘o corpo de uma pessoa é um pequeno universo’. E então pensei: ‘Essa é uma boa ideia, falar de um pequeno universo e chamá-lo Cosmo’”.

“Eu pensei muito seriamente os nomes das técnicas especiais, e o editor me deu ideias a respeito várias vezes; penso que isso havia dado certa ‘elegância’ a Saint Seiya, porque se fosse um simples mangá de ação faria simplesmente suor e mais suor, o que não seria recebido de modo especial pelos jovens. Portanto, eu pensei em opções que tornassem atraentes até mesmo as derrotas; se são simplesmente derrotados, não há graça alguma, mas se o são com algum estilo, então isso se torna interessante, e por isso optei por esta forma de ‘elegância’. E nisso, eu creio que a influência do anime foi grande, porque o trabalho de Shingo Araki como character designer foi realmente importante, visto que tudo que Araki toca fica elegante e muito original. Adaptava-se perfeitamente, em suma, à minha visão do mundo de Saint Seiya!”

Essa particular visão de mundo gerada por Saint Seiya ultrapassou as fronteiras do Japão e obteve uma valorização a nível mundial.

“Agora que eu penso, é uma visão do mundo totalmente nova... os Sagrados Guerreiros, as armaduras, o Cosmo, foram todas palavras que nunca tinham sido ouvidas antes com aquele significado, e uma vez entendidas elas tiveram um impacto fortíssimo, tanto que também no exterior o perceberam. Lendo as cartas que me chegavam de meus fãs franceses ou ingleses, por exemplo, percebi que popularidade tinha obtido no exterior. Mas aqueles que haviam entendido, mais que outros, o significado daquelas palavras estrangeiras, eram os jovens japoneses que viviam na Inglaterra e na França e que quando viram o mangá publicado em francês compreenderam a grandiosidade. Acontece-me de ter fãs franceses que lêem mangás japoneses e visitam o Japão, ou fãs que, querendo ler os diálogos diretamente na língua do país de origem, estudam japonês, como também fãs que estão envolvidos com a edição local do mangá, e essa é uma grande força dos quadrinhos japoneses!”

No momento, a única série em que Kurumada está trabalhando é Ring ni Kakero 2, publicada na Super Jump, e, ainda que o mestre também esteja supervisionando alguns outros trabalhos em papel e em anime, esse é o seu único verdadeiro compromisso.

“Atualmente, as condições são muito boas para que possa continuar a desenhar mangá, coisa que não acontecia no passado. Ocorre que, quando eu trabalhava para a Shônen Jump, para mim não existia nada além de mangá e mangá; criar o ‘nome’ e dar-lhe forma em desenhos me tomava tanto tempo que não conseguia dormir à noite, e assim não tinha oportunidade de me encontrar com outras pessoas não relacionadas ao mundo dos mangás. Mas agora, com Ring ni Kakero 2, considerando que é publicado a cada duas semanas, eu tenho uma semana de tempo para criar o ‘nome’ e traduzi-lo em desenhos e uma dedicada a outras pessoas, a beber ou qualquer outra coisa, e posso ver qual é a diferença entre o dever e o prazer. E então, visto que eu adoro bastante luta livre, assim como ir ver os encontros, conheci até lutadores”.

Quase todos os lutadores jovens, de 20 a 30 anos de idade, que atualmente exercitam sua profissão, são da geração que cresceu lendo os mangás de Kurumada.

“Sinceramente, me sinto feliz de saber que quando eu desenhei as minhas histórias influenciei alguém, bem como de receber elogios para meus mangás. Isso também porque, quando desenhava, era difícil que um mangaká ou um editor pudesse ter um relacionamento direto com o público, e as cartas dos fãs e os esporádicos encontros com os leitores não me conferiam muito”.

“Eu realmente não tinha uma oportunidade concreta para pedir aos garotos que liam mangás para me dizer se aqueles quadrinhos os emocionavam ou que sensações lhes causavam, e estou surpreso que agora alguns cresceram e, por causa de Kurumada, ficaram impressionados ao ponto de se tornarem lutadores! De verdade sinto a força da influência dos mangás, tanto que pareço ficar mais forte cada vez que desenho um”.

E dentre esses lutadores, Kazushi Sakuraba da Pride merece uma menção à parte.

“Acredito que o Hurricane Bolt de Sakuraba seja grandioso e quando vi o vídeo de seu desafio na final com Hoice Gray Sea, era como se o Ishimatsu que eu tinha desenhado no passado houvesse se transformado em realidade!”

Sakuraba declarou que a técnica final contra Hoice era mesmo o Hurricane Bolt e disse que, depois disso, iria reler Ring ni Kakero para pensar sobre a técnica especial seguinte.

“Além dos lutadores, falei com muitos outros fãs que leram meus mangás, uma geração que agora, tendencialmente, tem um lugar privilegiado na sociedade, visto que os masamistas são aqueles que de dia trabalham nos respectivos lugares de treinamento! (risos) Ao conversar com eles, pude aprender que os meus mangás tiveram um impacto significativo sobre eles, e que esse impacto fê-los refletir sobre si mesmos, tornando-os indubitavelmente mais convictos de suas próprias possibilidades. Agora que trabalho em Ring ni Kakero 2, essa influência é sentida bem, e além disso eu me ponho a pensar em como poderei dar um appeal aos meus trabalhos. Isso sem discutir, porque quando bebemos e falamos intuo qual poderá ser o futuro de meus mangás!”

Kurumada nos fala contente de como os fãs que eram crianças na época de seus mangás são agora adultos e lhe contam como suas obras tinham dado a eles grande energia. Isso porque no passado os desenhos serviam para dar appeal e energia à geração que atualmente detém as rédeas da sociedade, e essa energia está novamente animando os mangás de Kurumada.

“Dizem-me que no Japão os fãs cresceram como lutadores, enquanto na França tornaram-se editores de mangá, mas de todo modo isso significa que fui um professor deles!” (risos) É isso que Kurumada diz com um sorriso de orelha a orelha. Finalmente, visto que Kurumada está nos contando sua vida como mangaká ele próprio, por ocasião do seu trigésimo aniversário de exercício como tal!

“Trinta anos se passaram desde então, mas deve-se dizer que um trabalho de publicação semanal passa rápido como um ‘ah!’, então só posso dizer que este período passou muito rapidamente, de semana em semana. No entanto, ainda que tenha passado tão depressa, se me pedissem para repetir aqueles ritmos de trabalho para os outros, não creio que eu seria capaz. Eu acho que é muito melhor desenvolver uma atividade laboral intensa para jovens, quando se pode decidir sobre qualquer coisa, mesmo que você não seja ainda um mangaká. Os mangakás da Shônen Jump são os mais resistentes! Mas devo dizer que se não tivesse sido por aquilo que consegui criar naquele período passado, trabalhando semanalmente, agora penso que eu não estaria aqui... creio que foi precisamente graças ao trabalho semanal que resisti por três décadas sendo mangaká!”.


05 de dezembro de 2003
Hotel Yama no Ue, Tóquio